17/10/2014

Combate as drogas - Dr. Drauzio Varella


                                                                      

Dr. Drauzio Varella
No combate às drogas ilícitas, vamos de mal a bem pior. Até quando insistiremos nesse autoengano policialesco-repressivo-ridículo que corrompe a sociedade e abarrota as cadeias do País?

Faço essa observação, leitor, porque será votado na Câmara um projeto de lei que endurece ainda mais as penas impostas a usuários e traficantes.

Em primeiro lugar, não sejamos ingênuos; a linha que separa essas duas categorias é para lá de nebulosa: quem usa, trafica. O universitário de família privilegiada compra droga só para ele? O menino da periferia resiste à tentação de vender uma parcela da encomenda para diminuir o custo de sua parte? Como amealha recursos o craqueiro da sarjeta, que tem por princípio não roubar nem pedir esmola?

Nas ruas, quem decide como enquadrar o portador de droga apanhado em flagrante é o policial. Entre o universitário branco de boas posses e o mulato do Capão Redondo, você consegue adivinhar quem irá preso como traficante?

Embora considerada tolerante, a legislação vigente desde 2006 agravou a situação das cadeias. Naquele ano, foram presas, por tráfico, 47 mil pessoas que correspondiam a 14% do total de presos no país. Em 2010, esse número saltou para 106 mil, ou 21% do total.

O projeto a ser votado propõe várias ações controversas, para dizer o mínimo.

Entre elas, a ênfase descabida na internação compulsória, enquanto os estudos mostram que o acompanhamento ambulatorial é a estratégia mais importante para a reinserção familiar e social dos dependentes. Isolá-los só se justifica nos casos extremos em que existe risco de morte.

O projeto propõe uma classificação surrealista das drogas de acordo com sua capacidade de causar dependência, segundo a qual alguém surpreendido com crack seria condenado à pena mais longa do que se carregasse maconha. No passado, os americanos adotaram lei semelhante, que condenava o vendedor de crack a passar mais tempo na cadeia do que o traficante de cocaína em pó. As contestações judiciais e os problemas práticos foram de tal ordem que a lei foi revogada, há mais de dez anos.


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O projeto reserva atenção especial à criação de um incrível “cadastro nacional de usuários”. 

No artigo 16, afirma que “instituições de ensino deverão preencher ficha de notificação, suspeita ou confirmação de uso e dependência de drogas e substâncias entorpecentes para fins de registro, estudo de caso e adoção de medidas legais”.

Nossos professores serão recrutados como delatores dos alunos para os quais deveriam servir de exemplo? Os colégios mais caros entregarão os meninos que fumam maconha para inclusão no cadastro nacional e “adoção de medidas legais”?

O mais grave, entretanto, é o endurecimento das penas. Segundo a lei atual, a pena mínima para o fornecedor clássico é de cinco anos; o novo projeto propõe oito anos. Os que forem apanhados com equipamento utilizado no preparo de drogas, apenados com três a dez anos na legislação de hoje, passariam a cumprir 8 a 20 anos. As penas atuais de dois a seis anos dos informantes, que trabalham para grupos de traficantes, seriam ampliadas para seis a dez anos. E por aí vai.

Enquanto um assassino covarde responde o processo em liberdade, quem é preso com droga o faz em regime fechado.

Não quero entrar na discussão de quanto tempo um traficante merece passar na cadeia, estou interessado em saber quanto vamos gastar para enjaulá-los.

Vejam o exemplo do Estado de São Paulo, que conta com 150 penitenciárias e 171 cadeias públicas. Apenas para reduzir a absurda superlotação atual, deveríamos construir mais 93 penitenciárias.

Se levarmos em conta que são efetuadas cerca de 120 prisões por dia, enquanto o número de libertações diárias é de apenas 100, concluímos que é necessário construir dois presídios novos a cada três meses.

Nos padrões atuais, a construção de uma cadeia para 768 presos consome R$ 37 milhões, o que dá perto de R$ 48 mil por vaga, mais da metade do custo de uma casa popular com dois quartos, sala e cozinha, com a qual é possível retirar uma família da favela. O que vai na construção é dinheiro de pinga, perto dos custos para mantê-la funcionando 365 dias por ano.

O projeto que suas excelências votarão pode estar repleto de boas intenções, mas, como dizia minha avó, o inferno anda cheio delas.

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